Primavera
Gárgulas vigiam a catedralUm vulto perfumado se esconde entre colunas
Desejando a fantasmagórica sensação
De ainda estar vivo
Em silêncio permanece
Diante dos vitrais ao pôr do sol
Lágrimas como lantejoulas
Pregadas em um véu cinzento
Dificultam a mentira
A música alaranjada
Estação que se repetirá
Sem os mesmos frutos vermelhos
Eles apodreceram em forma
De um pesado diadema
Sobre uma fronte condenada a sentir
Pontadas mornas e frias no verão
O arco se ergue diante dos vultos
Como se ignorasse um dia
Na presença de quem percebe
Que a morte confirma a vida
Lantejoulas coloridas caem
E logo volta a ser noite
Os copos se enchem com gritos
E então os olhos descobrem
Que podem abraçar sem ter braços
E sentir o cheiro dos cabelos
Sem terem narinas
As grades não machucam
Os ossos estão mergulhados
No bálsamo alcoólico
Há descobertas sóbrias que são ébrias
O fechar dos olhos ao sorrir
Conhecidos que se desconhecem
Como nos dias passados de anonimato
Rostos unidos e o acariciar dos cílios
Sobre a face de quem agora
Sente a verdade que encobriu
E é apenas um vulto que vive
Sob luzes que emanam
De vidros coloridos
A última badalada do sino
Assusta as gárgulas da catedral
Ela finalmente sai de trás das colunas
E em uma poça d’água tocada pela lua
Ela vê seu rosto como costumava ser
O reflexo desenha suas feições
Tornando-a real novamente
Nasceu uma flor de cerejeira
Solitária e pálida sobre o tecido vivo
A força pulsando na fragilidade de cada pétala
Uma nova alma brotara nela
Guardada por dois dragões de pedra
Ela anda à noite cessando explosões
Com a melodia do vazio.