Monday, April 09, 2007

Tela Condenada

Nuvens de prata envelhecida
Formam o castelo abandonado
A hera cobre a torre mais alta
De onde caem mundos desenhados
Em folhas de papel colorido

A trilha que você seguiu
Sempre esperou para lhe mostrar
Os tons que jamais irão colorir
A tela inacabada que aquele artista
Começou e acabou por deixá-la sem alma
Assim como o próprio corpo vazio

As paredes de pedra enxugaram as lágrimas
Emprestaram cada tijolo para ele
Construir seu novo sorriso
A voz ecoa em um calabouço chamado sonho
E por você jamais será ouvida
Pelas ruas noturnas da realidade

Descendo as escadas para saber do seu confinamento
A dor dos espinhos que outrora foram fios de cabelo
Os mesmos que deslizaram entre os dedos de agora
Salpicados por um sangue incolor
Que se revela quando o veneno ocular goteja
Após a meia-noite ser anunciada pelos relógios

Presa no castelo além das nuvens que assumem
A forma grotesca de um ego coberto pelo veludo lilás
Apenas algumas escadarias até a torre
Um órgão sendo tocado na velha catedral incendiada
Ainda assim sua pulsação é inaudível para o artista
Que absorve seus tons de vinho

O vermelho da aquarela dele tornou-se
Mais vívida e perfumada do que nunca
Porém continua sentado a desenhar
Os mundos mortos aos quais pertence
Sem ao menos se lembrar daquela imagem

Desenhada para esvanecer nos mares do subconsciente
Enquanto você está presa em um silêncio quase mortífero
Por um momento poder-se-ia dizer que é
Uma fotografia em preto e branco
Doando suas cores para quem se esqueceu
Da verdadeira obra-prima.

Sunday, April 01, 2007

Amplexus Luciferi

Agradeço ao professor de latim pela ajudinha no título...^^

E o outono tornara-se real naquela tarde
As folhas dançavam no chão
Antes de serem pisoteadas
Por quem tem luz no nome
E é o criador da mais rubra escuridão

A porta translúcida foi aberta
A claridade de um rosto integrava-se
Com as paredes brancas reais e imaginárias
Que se tornaram uma muralha diante
Dos olhos que renegavam uma realidade tão onírica

A sombra de uma flor sobre o cabelo louro
Oceanos onde todos os barcos naufragados
Estarão sepultados eternamente debaixo d'água
Seria ela tão tola ao se deixar seduzir
Por um mar que só parecia ser calmo?

A tristeza delicadamente pincelada
Num rosto onde a obra final foi a beleza
A dualidade que perfura qualquer peito
E rouba qualquer alma que não pertença
Ao mesmo mundo de onde ele veio

A melancolia nos transfigura e nos destrói
Enquanto a perfeição dolorosa de Lúcifer
Reside nos traços desenhados
Com as cores do nevoeiro da manhã
E o opaco das nuvens de uma noite sem luar

Como uma besta se debate na jaula
O choro tornou-se oprimido na garganta dela
Nuvens negras sobre o azul fundo daqueles olhos
Habitados por lágrimas que se conformaram
Em nunca mais existir

Sempre atirando seu peito às espadas
De um pessimismo que ela tinha como seu deus
Imaginava a tragédia sempre a sua espreita
Sabia que aquele sentimento desde que fora fecundado
Nasceria pronto para ser cremado sobre as violetas

Juntos como nunca deveria ter sido
Olhos desconfiados que a observavam
Temendo um possível punhal entre suas mãos
Que apenas lutavam para não deixá-lo ir embora
E o abraçava contra seu corpo desprotegido

Palavras que soavam como o vento invernal
E um beijo amargo por não sobreviver ao amanhecer
Ela tinha seu Lúcifer como a um menino
Afundava seu rosto no dele e desejava ser a neve
Para derreter sobre a estrela da manhã

A defesa se fez presente no azul dos olhos
A certeza de estar sendo intimamente rejeitada
Ela foi sendo esmagada pelo medo
O abraço de Lúcifer espalhou a futura solidão
Nas veias que em pouco tempo envelheceriam

E como chegou o inverno,ele se foi sem pronunciar adeus
Levando um beijo dela entre as sobrancelhas
E com as pálpebras seladas pelos lábios do vinho
Que ele silenciosamente ofereceu a ela
Deixou-a para trás mergulhada em uma elegia

O pássaro que assoviava naquela noite
Chamando o decaído para o mais longe que pudesse
É o mesmo que assovia sempre aos ouvidos dela
O sopro do vento faz tocar um sino longínquo
Para ela Lúcifer estará sempre indo

As lágrimas que dos olhos dele não caíram
Estarão sempre marcadas no seu rosto
Agora ela descobre vendo tudo do ângulo da dor
Teria cravado o punhal que ele imaginara
Estar entre suas mãos tão fracas
Se ela soubesse que era Lúcifer que a beijava.